Sônia Ferreira*
A chuva cantava e beijava o caminho. Naquele beijo quente e inesperado, o calor do chão seco a transformava em fumaça mágica, geradora de novas nuvens, ninho de uma bateria em percussão e emoções, acompanhando a cerca verde da Chácara Santa Cruz.
Chegara-se ao portão de entrada. Não era uma chácara. Era um paraíso. Tudo fazia parte do ritual da celebração: árvores maiores, arbustos, plantas rasteiras, trepadeiras, carregadinhas, ora de flores, ora de frutos, sempre de folhas soltas, leves, bailarinas ao vento, dançando na chuva e cantando também. Durante anos, uma semeadora passara sucessivamente por ali. As entranhas da terra responderam à magia de seus dedos verdes. Tudo brotava, tudo crescia, tudo florescia, tudo respondia ao adubo de seu afeto, à ternura da chuva mansa, com que Deus germinava cada semente.
O casarão, iluminado pelos candelabros, pelas arandelas, pelas obras de arte, pela poesia do bom gosto da semeadora e de seu esposo, pelo carinho dos netos, dos filhos, das noras e dos genros, estava de portas, janelas e corações abertos. As flores silvestres, os bombons, as rosas da polpa de coco e as perfumadas do jardim dispuseram-se artisticamente sobre uma belíssima toalha bordada, como damas de companhia ao grande bolo de aniversário: Dona Lena Castello Branco completava 80 anos.
Anestesiados pelo encantamento, de longe os amigos observavam o cenário revelado pelas janelas e portas, abertas e iluminadas. Do lado de fora, os pássaros faziam vôos rasantes, assim como as borboletas, as mariposas e as abelhas, num ziguezague silencioso, com reverência à celebração. A fauna e a flora, nos seus cantos e silêncio, de modo especial naquela noite, rezavam “parabéns pra você”. Os amigos chegavam, um a um, uma a uma, trazendo mimos carinhosos à nordestina que virou goiana, em essência e atitudes.
De Goiânia, de Trindade, de Brasília, de outras plagas, a cidade abraçava a natureza, cujo núcleo central era Dona Lena, menina simples e elegante, em cada uma de suas oito décadas de vida e obra. Pesquisadora, historiadora, professora universitária, contista, não perdera a grandeza da simplicidade, não perdera a elegância das atitudes, nem a seriedade da busca da verdade, em suas pesquisas históricas. Vida escrita pela inesquecível infância, pela marcante adolescência, pela idade adulta, sempre rejuvenescida pela efervescência e encantamento dos netos, pela admiração da família e dos amigos, pela busca contínua do conhecimento e pelo cultivo de sentimentos nobres.
Sob a regência de Dr. Floriano, seu esposo, a criatividade de cada neto gerou fogos de artifício e a vida da aniversariante virou um show na terra e no céu. Antes, Maria Eugênia cantou e encantou. Trouxe para o palco dos olhos e das almas seu repertório raiz; depois, os velhos carnavais. O violão do diretor musical Luiz Chaffin deslumbrava cada presença e arrancava aplausos ao instrumentista e à doce e cativante cantora, sua, e esposa do Araguaia.
Cada cena, cada ternura no acolhimento aos amigos, era um aperitivo delicioso ao jantar, sagrada ceia naquele cenário, em que tudo participava do ritual da celebração: Dona Lena, o esposo, os filhos, os genros, as noras, os netos, comungando e distribuindo o amor.
Padre Alcides presidia a celebração, no coração da natureza, num recanto de Goiás, pertinho de Trindade, Capital da Fé. Bateu o sino. Falou lindo um poema improvisado, cantando e anunciando o “ amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”. Anunciou Cristo, e quis que Ele se encontrasse com cada um de nós. Na capela, a cortina de jasmim, em fios de flores, perfumou o abraço dos noivos, renoivados naquela emoção, brindada por uma valsa de aniversário. E Deus não se arrependeu de ter criado o mundo.
*Sônia Ferreira é escritora
Foto Sônia Ferreira:
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