Iracema Dantas*
O dia começa cedo para mim. O relógio desperta e eu levanto da cama, me
arrumo e saio para o serviço, do outro lado da cidade, quase na divisa com
Aparecida de Goiânia. Na primeira esquina que passo, vejo o Paulão todo
prestativo, à espera de clientes. O seu passatempo é jogar com o sonho alheio.
Registra mega-sena, dupla-sena, quina, loteria esportiva, lotofácil, lotomania, loteca.
Vende raspadinha, bilhete de loteria federal, loteria instantânea, é representante do
Silvio Santos, recebe conta de água, luz, telefone fixo, celular, ITU, IPTU, carnês e
prestações, faturas e documentos de diversos convênios, paga aposentado,
benefícios da rede de proteção social, vê o saldo pra gente... e por aí vai.
Paulão está no pedaço há um bom tempo como empresário lotérico. E a sua
clientela fiel não desapareceu nem quando a CEF trocou o sistema de atendimento
e deu um chá de espera em todo mundo. Com a lentidão do trabalho, as filas iam
até a um espaço equivalente a mais de dois quarteirões. E o Paulão lá, no meio do
povo, explicando que a culpa não era dele. Era do processo. Nem precisava
explicação, porque a maioria das pessoas foi vacinada pelo bom atendimento,
inclusive das duas garotas da família que estão sendo preparadas para assumirem o
cargo, num futuro próximo, quando o Paulão resolver passar o “bastão” pra frente.
A Lotérica Botafogo fica na Avenida Anhangüera, bem no centro da praça
Botafogo, na Vila Nova. É ponto de referência de muita gente que passa por essas
bandas.
Eu ando por Goiânia toda, mas só faço minha fezinha com o Paulão. Passo
pra bater ponto duas vezes por semana. Na segunda-feira pra conferir o resultado
da mega e no sábado pra pegar uns trocos.
Numa manhã chuvosa, quase morri do coração ao me deparar com uma faixa
grande onde se lia: Prêmio de 1.500.000 vendido nesta agência. Entrei sorrateira, fui
direto no Paulão e disse: “Tenho certeza que esse prêmio é meu”. E já fazia planos
para mudar meu caminho. Ia me desligar do trabalho, viver de renda, comprar casa,
chácara e carro. Contratar motorista e cozinheira. No meio desse turbilhão de
pensamentos, o Paulão me confidenciou:
- Entreguei o prêmio para o ganhador, na rua de baixo. Esse prêmio é muito
pouco para você O seu tenho certeza que vou entregar em breve.
E eu segui meu caminho, pensando comigo: Amigo é pra essas coisas. Só
quer o bem da gente...
Iracema Dantas
iracemada@gmail.com
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