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sábado, 9 de abril de 2011

A MULHER DE LÓ E A LEI DA ANISTIA

Licínio Barbosa*

A atoarda que se vem fazendo, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, e das leis ordinárias que regulamentaram a Lei da Anistia, está a suscitar algumas considerações pertinentes à matéria.

Todos se lembram do clamor popular, sob a égide das lideranças pensantes do País, a fim de que se pusesse um ponto final na Era de arbítrio que caracterizou, no plano político, o movimento militar de 31 de Março de 1964, a que se convencionou chamar de “Revolução de Março de 1964”. O presidente Ernesto Geisel já havia revogado o AI-5, símbolo daquela Era. Imprescindível completar-se-lhe a obra com um instrumento normativo para, eventualmente, corrigirem-se-lhe injustiças de natureza reparadora, visando-se a um congraçamento nacional.

Assim é que foi sancionada a Lei nº 6.683, 28.08.1979, denominada Lei da Anistia.Em seu art. 1º. , o legislador ordinário assim disciplinou a matéria:“É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de Fundações vinculadas ao Poder Público, aos servidores dos poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”. No seu § 1º, a Lei estabelece: “Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.

Uma vez em vigor a Lei da Anistia, voltaram ao País todos ou quase todos os seus destinatários exilados, e, paulatinamente, se foram reintegrando à vida nacional. Uns receberam indenizações financeiras, outros voltaram a ocupar cargos dos quais foram, ilegalmente, afastados por atos discricionários.

Vejo, agora, com acentuada preocupação, que se pretende revogar a Lei da Anistia, a fim de invalidar os seus efeitos no que tange aos agentes do governo militar, mantendo, contudo, intocáveis, os efeitos benéficos para as vítimas do governo discricionário.

Quando se promulgou a Lei da Anistia, prática político-administrativa que vem do Império, com os vários movimentos secessionistas do Nordeste ao Sul do País, imaginava-se que estava aberto o caminho para a paz, e a reconciliação nacional.

Ledo engano. Agora no poder, os anistiados, que aceitaram de bom grado os benefícios da Anistia, inclusive os de natureza financeira, voltam ao tema pretendendo anular os benefícios creditados aos agentes do governo revolucionário, como se a Lei da Anistia, obliquamente, somente gerasse efeitos benéficos numa determinada direção, e não com a amplitude inerente ao instituto. Essa postura vesga de alguns setores da sociedade, marcadamente radical, me faz lembrar um episódio bíblico que ficou para a posteridade. Refiro-me ao registro do que aconteceu em Sodoma.Diz a Gênesis, capítulo 19, que, pretendendo destruir a cidade, o Senhor mandou-lhe dois anjos para que procurassem, na cidade, algumas pessoas que ainda não estivessem contaminadas pela podridão moral. Os anjos encontraram ali, dignos de serem salvos da destruição, Ló, sua esposa e as duas filhas do casal. Os anjos, então, tomaram a Ló pela mão e a sua família, com o seguinte apelo: Saiam, imediatamente da cidade, mas não olhem para trás.

E assim se fez. Chegado o momento, Ló tomou a família, e saiu da cidade, sem olhar para trás, como haviam recomendado os anjos do Senhor. Todavia, a mulher de Ló não resistiu à curiosidade, e olhou para trás, transformando-se numa estátua de sal.

É o que está na iminência de acontecer com as mulheres de Ló de nossos dias. Elas podem reeditar o episódio de Sodoma, e, os olhos fixos no passado, podem se transformar em estátuas de sal, petrificadas na obsessão de um passado a esquecer.

Enquanto a vida continua a fluir para cumprir seu destino histórico.

*Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras. E-mail liciniobarbosa@uol.com.br)

Fonte: Jornal Diário da Manhã
http://www.dm.com.br/#!/274552

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