Pesquisar este blog

sábado, 17 de abril de 2010

UMA CONVERSA SEM PÉ E SEM CABEÇA


Sinésio Dioliveira*

Saber ouvir é uma tarefa nada fácil no mundo da comunicação. Às vezes, o que se julga ser um diálogo não passa de monólogo: cada um ouvindo a si mesmo na conversa que não estão tendo. O silêncio que ocorre nos momentos de "diálogo" pode não ser o ato de ouvir o outro, mas sim a espera do momento de falar. A inabilidade de comunicação em algumas pessoas costuma ser tanta que, às vezes, elas nem deixam o outro falar. O que não deixa de ser pior que ficar calado.

Dias atrás, numa fila de banco, enquanto aguardava minha vez de ser atendido, presenciei a conversa de duas mulheres. Não tive como fechar os ouvidos. Até me deu vontade de fazer o que faz uma criança quando não quer ouvir algo: além de tapar os ouvidos, ainda cantarola alguma coisa ou diz coisas desconexas. O assunto delas era óculos esportivos. Cada uma, entretanto, defendendo uma marca. Notei que não se ouviam. Essa conversa sem pé e sem cabeça das duas lobas me lembrou uma fábula, que vou aqui contá-la.

Foi na primavera de um ano desconhecido que aconteceu uma discussão infrutífera entre um beija-flor e um urubu. A beleza da temporada escancarou nas borboletas diversas e multicoloridas, que voavam de flor em flor em busca de néctar.

O urubu estava pousado no galho de um jatobá seco, cuja morte veio de um raio furioso. O beija-flor, como é comum nesses pequenos pássaros, chegou apressado, pousou ao lado do urubu e deu início à conversa, num tom de soberba:

– Fico indignado com sua maneira de viver, de se alimentar. Não sei como consegue comer carniça! Você deveria fazer como faço: se alimentar de néctar. É provável que até suas penas percam esse negror horrível e ganhe brilho. Até o seu mau cheiro vai acabar. O urubu deveria ter ficado na sua. Entretanto, contagiado pelas palavras ofensivas da avezinha, revidou com outras semelhantes no propósito de arrogância e com mais pedras:

– Você está muito enganado, meu caro. Minha alimentação é muito melhor que a sua. E mais: não preciso ficar voando de flor em flor à procura de gotículas de néctar. Posso até comer carniça, mas nunca lhe vi voando entre as nuvens como faço. Meu voo não é rasteiro como o seu. Nem tamanho você tem!

No tronco da árvore em que estavam pousados, havia um buraco, no qual morava uma coruja. A discussão dos dois acabou acordando-a. Visto que estava com três filhotes, isso lhe tomava muito tempo em voos noturnos à procura de comida. A coruja, enraivecida com o blablabá, saiu de sua toca e deu-lhes um sermão (que os dois nunca entenderam bem).

– Vocês, além da falta de educação, por ficarem discutindo na porta da minha casa e com isso não só me acordando como também a meus filhos, estão perdendo tempo numa conversa banal, que não vai dar em nada. O que cada um gosta deve bastar tão-somente a cada um de vocês. O tempo, meus caros, é muito precioso e não deve ser gasto com discussões fúteis.

No momento da repreensão da coruja, apareceu um tamanduá, que seguia uma trilha de formigas saúvas, que eram sugadas por sua língua comprida. A coruja, bicho ladino que é, ao perceber o tamanduá, apontou-o aos dois e encerrou seu sermão de uma maneira enigmática:

– Que tal vocês envolverem o tamanduá nessa conversa oca que estão travando? Não acredito que ele, em vez de formigas, vá dizer que o melhor alimento é néctar ou carniça. Vão bater boca bem longe da porta da minha casa!

*Sinésio Dioliveira é jornalista, professor de Português e fotógrafo.

Nenhum comentário: