quarta-feira, 28 de julho de 2010
LÁZARO, O SOLDADO CAPITÃO
Alaôr dos Anjos
Depois que viemos transferidos do Segundo Batalhão, sediado na cidade de Goiás para Goiânia, a fim de habilitarmos ao curso de cabo que seria ministrado pelo Departamento de Instrução Militar – DIM, unidade do Primeiro Batalhão e, após nossa premiação no exame de seleção, em primeiro lugar, com média 9,5 (nove e meio), cabendo ao colega Paulista o segundo lugar, que além de veterano já havia passado pelas fileiras da Força Pública do Estado de São Paulo. No decorrer do curso, sobressaíram-se os soldados Lázaro, Augusto, Renato, Ubiracy, João Pereira, dentre outros. Com esse grupo, formamos uma nova turma de elite de todo o Batalhão. Passamos então à equipe de porta-bandeira pela maneira de marcharmos garbosamente. O Lázaro era um deles ao lado do Renato que desfilavam em grande estilo e elegância. Éramos alunos aplicados e estimados por todos os nossos superiores hierárquicos, além de disciplinados.
O cabo Roxinho, de pais incógnitos, era ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira – FEB. Lutou bravamente na II Guerra Mundial na Itália, em defesa da paz, da democracia, contra a discriminação racial. Quando foi promovido a terceiro sargento não queria ser apresentado ao Comando Geral para receber as divisas. Ser sargento não queria. Cabo sim, realmente era o queria ser.
O Suetônio de Souza Guimarães era subtenente almoxarife. E o José Costa sargenteante. Numa discussão entre eles, José Costa lhe disse que um dia seria subtenente também. Suetônio retrucou, incontinenti: “Se um dia você for subtenente, eu sairei no outro dia da Polícia”. Por competência e dedicação denodada à caserna, José Costa teve promoções rápidas, uma após outra, indo em pouco tempo a subtenente. Suetônio ficou indignado com aquele fato. Todavia, não pedia para sair. Anos depois, passou para a reserva remunerada como primeiro tenente e José Costa como capitão.
Voltando a falar da nossa turma, soldados de escol, porta-bandeira de primeira classe, com a convivência cada vez mais próxima e o laço de amizade mais estreito, resolvemos, num pacto, promover anos próprios aos postos de tenente, capitão e coronel. O Renato e eu éramos capitães, o Lázaro tenente, o Augusto e o Ubiracy coronéis. Éramos brincalhões. De todos nós, o Lázaro era o mais engraçado.
Certa feita o major Montefusco quis deter-me por mera brincadeira inocente e inofensiva da minha parte. O cabo Lázaro, sorrindo disse-lhe: “Como se atreve, major, em querer deter o capitão?” Montefusco, esquecendo por instante sua neurose de guerra, também sorriu e, redargüindo, disse ao cabo: “Por acaso tem algum capitão aqui?” “Tem, sim senhor”, replicando o cabo. “O Alaôr é um deles, e eu sou tenente. Tenente mais capitão são superiores a major”.
Fomos os primeiros infantes a pisar o solo de Brasília, por ocasião da colocação da pedra fundamental, em ato solene celebrado pelo ilustre doutor Juscelino Kubitschek de Oliveira, presidente da República. Foi árdua e cansativa a viagem à Nova Cap. Saímos do quartel às três horas, sob muita chuva. Todos os componentes da companhia foram em carrocerias de caminhões, exceto os oficiais que viajaram nas cabines. Os sargentos Joel do Espírito Santo, João Adão, os cabos João do Rancho e Tenório, os soldados Aylan, Mossoró e outros, que eram do piquete de captura, fizeram parte do contingente. Desfilamos primeiramente nas cidades de Anápolis e Corumbá, respectivamente, sob o comando do capitão Silveira, chegando em Brasília por volta das vinte e uma horas. O pessoal do rancho viajou às vinte e duas horas do dia anterior para preparar a comida. Porém, errando a estrada, chegou com atraso no local do acampamento. Logo chegamos também. A comida foi preparada às pressas, arroz, feijão e carne de vaca mal cozida.
Não dormimos nada nessa noite. Fomos acometidos de violenta diarreia, por causa da ingestão dos alimentos, quase crus. Foi um corre-corre danado para o mato, procurando as moitas de capim, a fim de aliviar nossa barriga, indo aos cerrados mesmo em grupos. Defecando ao lado de um capim gordura, o cabo Lázaro, ainda de cócoras distraidamente, apanhou um papel cheio de fezes e colocando-o sobre os ombros, bradou: “Ei, pessoal Fui promovido ao posto de capitão”. Logo em seguida, batendo as mãos, gritou: “Credo, é merda! Ser tenente quero sim, capitão, nunca”.
Goiânia, 16 de outubro de 2004.
* Alaôr dos Anjos é colaborador do Jornal da Cultura Goiana. Crônica publicada no Jornal da AGI, Órgão Oficial da Associação Goiana de Imprensa, ano VI, n° 39, outubro/2004, página 26, segundo caderno.
Fonte da ilustração: http://www.google.com.br/images?hl=pt-BR&source=imghp&biw=1020&bih=596&q=policial+militar+go&btnG=Pesquisar+imagens&gbv=2&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=
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