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quinta-feira, 22 de julho de 2010

A SÓSIA DE ANDRELINA


Alaor dos Anjos*

Morena bonita faceira, cabelos pretos e longos, quadris largos, nádegas roliças, proeminentes, coxas grossas arredondadas, olhos grandes de jabuticaba, dócil, feminina e meiga. Esse era o perfil de ANDRELINA, verdadeira mulher brasileira. Balzaquiana e conquistadora. Era uma madona, porém vivia só. Nunca se casara. Era uma rameira, uma puta, como diziam nossos avós na década dos anos sessenta.

Não sabemos se ela era goiana, mas morava na cidade de Goiás. Sua casa, de aluguel, na Praça Domingos Gomes de Almeida, antes Largo do Retentém, hoje Larguinho, ao lado da residência do senhor José de Malaquias e vizinha do Jacinto, um pigmeu educado e trabalhador, esposo de dona Alzira, uma prestimosa senhora, mãe de vários filhos, dentre esses, a mais velha era a Francisca, uma frágil menina. O segundo era o Daniel, que mais tarde tornou-se funcionário do Banco do Brasil, agência local. Tinha também a Florinda e outros.

Quando conhecemos Andrelina éramos ainda criança e passamos a ter sonhos extravagantes com ela.

Freqüentava ela o cabaré da Davina, que também era morena e vivia maritalmente com seu Adalberto, lá perto do mercado municipal. Havia outros cabarés, o da Julieta, o da Juquita, da Natália. Porém, só ao da Davina ela gostava de ir. Talvez por ser o mais procurado e o mais central. Todos os jovens boêmios de então, freqüentadores de bordéis, apaixonavam-se por ela, devido seus dotes de beleza.

Andrelina tocava a vida, não se preocupando com nada. Também, pra quê? Se era sozinha. Não tinha marido nem filhos. De quando em vez, pagava alguém para cuidar de seu lar. Fazer comida, lavar e passar suas roupas e outros serviços. Quando não arranjava ninguém, tudo ficava como antes. Casa sem varrer, roupas sujas jogadas no chão, pratos, panelas e talheres sem lavar em cima da pia, do fogão, da prateleira. A vovó, às vezes, fazia esses trabalhos para ela, sem cobrar um tostão sequer. Só de muita pena, devido a sua indolência. Ela falava sozinha e, monologando, dizia que por força do destino virara meretriz, bem que gostaria de ser dona de casa, professora primária, talvez. No entanto, não tinha como reclamar se a vida era boa. Dormia de dia, à noite ia ao puteiro dançar, ouvir músicas e conquistar os corações dos mancebos, à cata de dinheiro para o seu sustento e adorno, vendendo seu corpo escultural.

O tempo passou. Mudamos de Goiás para Goiânia. Crescemos, deixamos de ter sonhos eróticos com aquela bela mulher. Conhecemos outras mulheres. Todavia, só uma deixou sua imagem gravada em nossa mente, por ser também morena bonita, faceira, cabelos pretos e longos, quadris largos, nádegas volumosas, avantajadas, coxas grossas, roliças, olhos grandes de jabuticaba, dócil, feminina e meiga. Essa era a biografia de ARINDA, legítima mulher brasileira, sósia de ANDRELINA, só que ela era casada. Tinha marido e filhos para cuidar, eis a diferença entre elas e que, no desleixo, superava sua sósia. De nada se preocupava, não asseava a casa, não fazia comida, não lavava nem passava suas roupas, deixava tudo ao deus-dará. A mamãe, de vez em quando, fazia esses serviços para ela, sem cobrar um centavo sequer. Só de muita dó, devido a sua preguiça. Por ironia do destino casara-se. Não queria ser dona de casa. Professora nem pensar. O que ela gostaria mesmo era de ser uma meretriz. Reclamava sempre da vida ruim que levava.

Dormia de dia, mas, à noite, não tinha para onde ir. As mulheres de vida fácil, estas sim, que têm vida boa. Vão para onde querem, aos botequins, aos bordéis. Um dia, quem sabe, poderia ser ainda uma puta, cogitava. Pensava no marido e nos filhos. Bem que ele poderia morrer, mas seus filhos não. Isso que não.

Certa feita, alguém lhe contara que na cidade de Goiás, nos anos sessenta, morava uma prostitua morena bonita, que se chamava ANDRELINA.

ARINDA sonhava ser ela mesma, vivendo lá na antiga Vila Boa, freqüentando cabarés, morando sozinha em casa de tolerância. Era, esta sim, a vida que sempre desejava ter.

Não acaba aqui a narrativa de sua vida leviana. Só quando seu esposo CARLINDO CÔMODO DE JESUS, enfadado de tantos dissabores e maus tratos, separou-se dela levando consigo seus dois filhos: CARLOS e CAMILA.

ARINDA agora só, livre como as andorinhas do céu, satisfazendo seu desiderato, fora viver num prostíbulo e, por achar seu nome feio, adotara o pseudônimo de ANDRELINA.

*Alaor dos Anjos, advogado, funcionário público estadual aposentado, cronista.

A SÓSIA DE ANDRELINA
Alaor dos Anjos

Morena bonita faceira, cabelos pretos e longos, quadris largos, nádegas roliças, proeminentes, coxas grossas arredondadas, olhos grandes de jabuticaba, dócil, feminina e meiga. Esse era o perfil de ANDRELINA, verdadeira mulher brasileira. Balzaquiana e conquistadora. Era uma madona, porém vivia só. Nunca se casara. Era uma rameira, uma puta, como diziam nossos avós na década dos anos sessenta.

Não sabemos se ela era goiana, mas morava na cidade de Goiás. Sua casa, de aluguel, na Praça Domingos Gomes de Almeida, antes Largo do Retentém, hoje Larguinho, ao lado da residência do senhor José de Malaquias e vizinha do Jacinto, um pigmeu educado e trabalhador, esposo de dona Alzira, uma prestimosa senhora, mãe de vários filhos, dentre esses, a mais velha era a Francisca, uma frágil menina. O segundo era o Daniel, que mais tarde tornou-se funcionário do Banco do Brasil, agência local. Tinha também a Florinda e outros.

Quando conhecemos Andrelina éramos ainda criança e passamos a ter sonhos extravagantes com ela.

Freqüentava ela o cabaré da Davina, que também era morena e vivia maritalmente com seu Adalberto, lá perto do mercado municipal. Havia outros cabarés, o da Julieta, o da Juquita, da Natália. Porém, só ao da Davina ela gostava de ir. Talvez por ser o mais procurado e o mais central. Todos os jovens boêmios de então, freqüentadores de bordéis, apaixonavam-se por ela, devido seus dotes de beleza.

Andrelina tocava a vida, não se preocupando com nada. Também, pra quê? Se era sozinha. Não tinha marido nem filhos. De quando em vez, pagava alguém para cuidar de seu lar. Fazer comida, lavar e passar suas roupas e outros serviços. Quando não arranjava ninguém, tudo ficava como antes. Casa sem varrer, roupas sujas jogadas no chão, pratos, panelas e talheres sem lavar em cima da pia, do fogão, da prateleira. A vovó, às vezes, fazia esses trabalhos para ela, sem cobrar um tostão sequer. Só de muita pena, devido a sua indolência. Ela falava sozinha e, monologando, dizia que por força do destino virara meretriz, bem que gostaria de ser dona de casa, professora primária, talvez. No entanto, não tinha como reclamar se a vida era boa. Dormia de dia, à noite ia ao puteiro dançar, ouvir músicas e conquistar os corações dos mancebos, à cata de dinheiro para o seu sustento e adorno, vendendo seu corpo escultural.

O tempo passou. Mudamos de Goiás para Goiânia. Crescemos, deixamos de ter sonhos eróticos com aquela bela mulher. Conhecemos outras mulheres. Todavia, só uma deixou sua imagem gravada em nossa mente, por ser também morena bonita, faceira, cabelos pretos e longos, quadris largos, nádegas volumosas, avantajadas, coxas grossas, roliças, olhos grandes de jabuticaba, dócil, feminina e meiga. Essa era a biografia de ARINDA, legítima mulher brasileira, sósia de ANDRELINA, só que ela era casada. Tinha marido e filhos para cuidar, eis a diferença entre elas e que, no desleixo, superava sua sósia. De nada se preocupava, não asseava a casa, não fazia comida, não lavava nem passava suas roupas, deixava tudo ao deus-dará. A mamãe, de vez em quando, fazia esses serviços para ela, sem cobrar um centavo sequer. Só de muita dó, devido a sua preguiça. Por ironia do destino casara-se. Não queria ser dona de casa. Professora nem pensar. O que ela gostaria mesmo era de ser uma meretriz. Reclamava sempre da vida ruim que levava.

Dormia de dia, mas, à noite, não tinha para onde ir. As mulheres de vida fácil, estas sim, que têm vida boa. Vão para onde querem, aos botequins, aos bordéis. Um dia, quem sabe, poderia ser ainda uma puta, cogitava. Pensava no marido e nos filhos. Bem que ele poderia morrer, mas seus filhos não. Isso que não.

Certa feita, alguém lhe contara que na cidade de Goiás, nos anos sessenta, morava uma prostitua morena bonita, que se chamava ANDRELINA.

ARINDA sonhava ser ela mesma, vivendo lá na antiga Vila Boa, freqüentando cabarés, morando sozinha em casa de tolerância. Era, esta sim, a vida que sempre desejava ter.

Não acaba aqui a narrativa de sua vida leviana. Só quando seu esposo CARLINDO CÔMODO DE JESUS, enfadado de tantos dissabores e maus tratos, separou-se dela levando consigo seus dois filhos: CARLOS e CAMILA.

ARINDA agora só, livre como as andorinhas do céu, satisfazendo seu desiderato, fora viver num prostíbulo e, por achar seu nome feio, adotara o pseudônimo de ANDRELINA.

*Alaor dos Anjos, advogado, funcionário público estadual aposentado, cronista.

Crônica publicada no Jornal da AGI (Associação Goiana de Imprensa) – Goiânia-GO, na edição nº 358, de abril/2004.

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